A primeira vez que ouvi
falar “dele” já não me lembro com exactidão, apenas sei que ainda era uma
criança. Meus pais viviam falando “dele” em suas histórias, a mim e aos meus
irmãos. Sempre que fosse a escola, meus professores diziam-nos - alunos - que
tínhamos que ter “ele”. Aos domingos na missa, lá estava o padre a falar “dele”
repetidamente. Meu irmão mais velho já era casado, e vivia em nossa casa com
sua mulher, confesso que era um estresse para mim ouvi-los falar “dele” um com
o outro como se fosse nome. Por causa "dele", a minha família alargada
passava os fins-de-semana em casa dos meus avôs - já era uma tradição familiar.
E eu, todos os dias fazia questão de me lembrar "dele" e usa-lo como
os meus parentes, o padre, os meus professores e mais pessoas que me rodeavam usavam.
De repente as coisas
mudaram, e minha (nossa) vida deu uma revira volta tremenda. Minha mãe foi
presa, e na última visita que fiz a ela na cadeia, encontrei o padre lá da
igreja, também estava preso. Meu irmão mais velho deixou a sua mulher. Os
almoços lá em casa dos avôs terminaram, e a família podia passar semanas, meses,
anos sem se ver.
Comigo, ficou a solidão,
o pensamento e as questões: Será que minha mãe tomou a atitude certa, - matar o
meu pai - por descobrir que meu pai a traia com minha tia? Será que meu irmão
foi certo ao deixar sua mulher, porquê não suportaria viver com uma paralítica?
- vítima de um acidente que ele mesmo causou. Será que o padre lá da igreja
agiu bem, quando usufruía as escondidas do dinheiro da igreja? Porquê que minha
tia aceitou ter um romance secreto com meu pai? Porquê que a morte do meu pai
separou uma família por completa? Porquê?!
Cadê o “ele”?! Transportava
muitas questões dentro de mim, e tinha decidido não me doar mais com medo de
saborear mágoas outra vez. Pois em mente, sabia que tudo girava em torno “dele”,
quer bem ou mal.
Tempo foi tempo veio e, meus
olhos se abriram. Num instante a nitidez estava bem em frente de mim.
Permitiu-me assim poder enxergar além, muito mais além do que meus parentes e
próximos puderam enxergar. E vi que podia sim me entregar a “ele”. E com certas
condições me entreguei: Conhecer "ele" em verdade - porque as vezes
confundimos "ele" com emoção, ardor e/ou atracção; Domesticar
"ele" e não deixar "ele" auto se controlar - porque quando "ele"
toma conta de si mesmo, tende a se deformar devido o seu lado selvagem; Viver
"ele" além das minhas palavras, gestos e/ou aparência - pois ele é
muito mais do que tudo isso; E por fim, criar bases sólidas, para que quando
ventos fortes viessem, não derrubassem “ele” - o “amor”!


